O governo federal apresentou na última quinta-feira (03 de setembro) ao Congresso sua proposta de reforma administrativa, com novas regras para contratar, remunerar e promover servidores públicos. Nesse debate, uma posição aparece com frequência: a de que servidores no Brasil ganham demais e têm privilégios.
O argumento já foi usado pelo próprio ministro da Economia, Paulo Guedes. Em fevereiro, durante uma palestra, ele comparou os servidores a “parasitas” que se aproveitavam do Estado, o “hospedeiro”. Após a reação de trabalhadores públicos, ele pediu desculpas e disse que havia se expressado mal.
É verdade que há entre os servidores, uma elite, como alguns juízes e membros do Ministério Público, que conseguem ter vencimentos de mais de R$ 100 mil por mês, acima do teto constitucional.
Mas um olhar detalhado sobre o funcionalismo público, que emprega 11,4 milhões de pessoas, revela um universo de remuneração muito discrepante, como o próprio Brasil — um dos países mais desiguais do mundo.
Uma maneira de medir essa desigualdade é comparar o salário médio dos servidores de cada um dos três poderes.
Em média, o servidor brasileiro (das três esferas) ganha apenas 19% a mais que um trabalhador da iniciativa privada, diferença abaixo da média de 53 países pesquisados pelo Banco Mundial. E não há praticamente nenhuma diferença salarial entre servidores municipais e trabalhadores da iniciativa privada.
Já os servidores estaduais ganham em média 36% a mais do que os funcionários de empresas privadas, enquanto os servidores federais têm uma diferença salarial de 96%.
Os salários
Servidores municipais têm salário médio de R$ 2,9 mil, mas 61% destes funcionários estão na faixa salarial de até R$ 2,5 mil.
Por sua vez, R$ 5 mil é a média salarial de um servidor estadual, que equivale a 55% do salário médio, de R$ 9,2 mil, de um servidor federal. No entanto, há uma prevalência de menor remuneração: No Executivo Federal, 48% de todos os funcionários públicos ganham até R$ 2,5 mil por mês.
O que faz a média tanto na esfera Estadual como na Federal ser alta é haver o alto escalão do serviço público, que inclui deputados estaduais, secretários, deputados federais, senadores, presidente, ministros, militares de alta patente, defensores públicos, profissionais do Ministério Públicos, juízes e outros privilegiados. Esta “sorte” não é sentida pelas demais carreiras e cargos. Só no Judiciário, 4,2% recebem mais de R$ 30 mil, enquanto um gestor público do governo federal pode ganhar mais de R$ 25 mil.
Os dados são de 2017 e foram organizados pelo Atlas do Estado Brasileiro, feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Desigualdade é maior para mulheres
Também há desigualdade entre gêneros, com mulheres ocupando postos de menor salário que os homens. E desigualdades dentro de um mesmo órgão, com servidores com o mesmo tempo de casa e desempenhando funções semelhantes ganhando salários diferentes, devido a falhas no desenho e gestão das carreiras.
Em 2017, mulheres tinham uma remuneração em média 14% menor do que os homens no Executivo federal civil e no Legislativo, e 7% menor no Judiciário.
Nas funções de confiança do governo federal, conhecidas pela sigla DAS, mulheres ocupavam naquele ano apenas 16,7% dos cargos de nível mais alto, os DAS-6, e 24% do segundo nível mais alto, o DAS-5.
Mulheres são maioria no serviço municipal
“As mulheres estão no executivo municipal, trabalhando com saúde e educação, onde se ganha menos. E os homens no Judiciário e no Legislativo federal. Há várias camadas da desigualdade”, diz Gabriela Lotte, coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia da FGV.
Felix Lopez, pesquisador do Ipea e coordenador do Atlas do Estado Brasileiro, afirma que a disparidade salarial entre os dois gêneros se manteve praticamente estável de 1986 a 2018 no funcionalismo.
Judiciário pesa mais para o Estado
Entre os poderes, o Judiciário é o que teve os maiores ganhos nos últimos 30 anos. Em 1992, a remuneração média de um servidor da Justiça era apenas 5% superior à de um funcionário do Executivo. Em 2017, era o dobro.
“O Judiciário é composto por um grupo social com muito poder, uma elite financeira, intelectual e política, que consegue mais espaço para barganhar e reivindicar. Na disputa para aumentar seus salários, quem tem poder ganha”, afirma Lotte. Às vezes usando estratégias “problemáticas”, como o pagamento de auxílio moradia para quem já tem casa própria, complementa a pesquisadora da FGV.
Desigualdades são fruto de sistema segregacionista
Já a desigualdade de gênero e racial no serviço público está ligada ao modelo de seleção, diz a professora da FGV. Concursos baseados somente no mérito são um “processo desigual de acesso”, diz.
Texto publicado no site da Fetamce