Uma pessoa negra vive sob o risco três vezes maior de ser morto de forma violenta do que os não-negros no Brasil. A estatística tem como base dados oficiais dos estados para o ano de 2019 e é válida tanto para homicídios em geral quanto para as mortes provocadas pelas polícias.
O Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado neste domingo (18/10), mostra: pessoas negras são 74,4% das vítimas de violência letal, enquanto brancos representam 25,3% e amarelos e indígenas, 0,4%.
A maior parte desses crimes são cometidos por armas de fogo, com sete a cada dez mortes causadas por tiros. O perfil dessa vítima é majoritariamente de homens (91,2%) com até 29 anos (51,6%).
Segundo informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), negros e pardos são 56,2% da população, brancos, 42,7%, amarelos e indígenas, 1,1%.
Quando se trata de violência policial, os negros também são os mais afetados letalmente. O percentual de homens vítimas é de 99%, sendo 79% deles negros. Foram 6.357 pessoas mortas pelos policiais brasileiros de janeiro a dezembro de 2019, em torno de 5 mil negros.
A taxa de mortos pelas polícias brasileiras por 100 mil habitantes mostra que um negro, com 4,2, tem três vezes mais vitimização do que uma pessoa branca, com taxa de 1,5.
Em comparação com a estatística anterior, quando 2018 teve 6.175 registros, o crescimento da letalidade policial subiu 2,94%. Ao se considerar histórico ampliado, o crescimento é de 188% em seis anos, quando em 2013 as polícias mataram 2.212 pessoas.
No mesmo período (de 2013 a 2019), as mortes violentas intencionais registraram queda de 14% em comparação a 2019 (47.773 frente a 55.847 em 2013).Com relação a 2018, a queda foi de 17,7%. As mortes cometidas por policiais em 2019 representam 13% deste total, enquanto a representação de mortes por policiais em 2013 era de 4% do total.
Os negros também são a maioria das vítimas quando os mortos são policiais: 65,1% dos 172 registros feitos nos estados, enquanto os brancos foram 34,9%. Com base na pesquisa Perfil dos Profissionais de Segurança Pública da Senasp, feita em 2015, negros representam 34,9% dos policiais brasileiros, com brancos sendo 53% do total. O ano de 2019 apresenta queda de 44,3% na vitimização policial comparado com o ano anterior, quando 313 agentes da segurança morreram violentamente.
Há no levantamento um período parcial de 2020, baseado nos números das secretarias da segurança pública entre janeiro e junho. No primeiro semestre, as polícias mataram 3.181 pessoas, total 6% acima do registrado ao longo dos mesmos meses em 2019 (3.002). Vale ressaltar que o período deste ano inclui o isolamento social provocado pela pandemia de coronavírus.
Também há crescimento no total de mortes violentas, com 2020 acumulando 7,1% mais crimes do que no primeiro semestre do ano anterior: 25.712 a 24.012.
O anuário diferencia a vítima desses homicídios para os casos de latrocínio, que é o roubo com morte. Neste caso, um crime ao mesmo tempo violento e patrimonial, 55,8% das vítimas são negras e 43,9% são brancas.
Segundo Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro, as edições anteriores do anuário apontavam os negros como principais vítimas de mortes violentas. Contudo, questiona o foco da letalidade policial nestas pessoas.
“É preocupante porque mostra certa seletividade da polícia em relação às suas abordagens”, afirma, ressaltando existir um “estereótipo do sujeito criminoso” para as polícias. “É a pessoa negra, um jovem pobre e periférico, que carrega consigo todos esses símbolos e acaba sendo visado pelas abordagens”.
A especialista credita o longo crescimento da letalidade policial nesta década ao aprimoramento das informações repassadas pelos estados, mas também por um aumento de violência na atuação das polícias.
Samira usa Rio de Janeiro e São Paulo como exemplos. O anuário identifica os dois estados como responsáveis por 42% de toda a letalidade policial do Brasil em 2019.
“São Paulo tinha média de 400 mortos em intervenções policiais por ano, agora tem 800“, argumenta. “Se SP e RJ tem percentual de 30% em média de todos os assassinados cometidos pelas polícias, temos estados em que praticamente não ocorrem, como o Distrito Federal e Minas Gerais”.
Os dados do Fórum colocam o Rio na segunda posição de letalidade policial por 100 mil habitantes, com taxa de 10,5. Está atrás somente do Amapá, com 14,3. São Paulo aparece em 15º lugar, com 1,9 mortos a cada 100 mil habitantes, enquanto o Distrito Federal tem a menor, com 0,3.
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