Na tarde de ontem (27 de novembro), o Complexo das Comissões Técnicas da Assembleia Legislativa do Ceará foi palco de uma audiência pública, provocada pelo SUPREMA e realizada pela Comissão de Educação Básica, presidida pelo Deputado Estadual Renato Roseno (PSol), para debater o tema “O Modelo Cívico-Militar nas Escolas Públicas situadas no Estado do Ceará”. O encontro reuniu representantes de sindicatos, gestores públicos, estudantes e especialistas em educação, evidenciando as divergências em torno desse modelo.
A audiência foi aberta por Roseno, que destacou os inúmeros desafios enfrentados pela escola pública brasileira. Em seu discurso inicial, Roseno enfatizou que, embora o modelo cívico-militar tenha sido apresentado como solução para alguns desses problemas, é necessário um debate profundo sobre suas implicações e sobre as reais necessidades das escolas públicas, como infraestrutura, valorização dos profissionais da educação e inclusão social.
Facultada a palavra à Nivia Marques, presidenta do Suprema, ela reiterou que a entidade tem se posicionado contra o modelo cívico-militar desde sua implementação no Brasil, especialmente em Maracanaú, onde a adesão foi rápida e segue sendo ampliada, mesmo após a revogação do programa pelo governo federal. Ela trouxe os relatos da ausência de diálogo com a comunidade escolar e questionamentos acerca dos recursos destinados às escolas cívico-militares.
A presidenta do SUPREMA também chamou atenção para os desafios enfrentados pelas(os) estudantes com relação à suas individualidades, além de questões raciais e de gênero: regras rígidas, como cortes de cabelo padronizados, têm gerado dificuldade de adaptação. Além disso, estudantes atípicos também sofrem com essa adaptação. Também trouxe reflexões acerca da formação e do perfil dos monitores militares que não são compatíveis com as complexidades da educação e das escolas.
Fábio Freire e Gláucia Miriam, presidente e assessora Técnica do Conselho Municipal de Educação de Maracanaú (CME), respectivamente, defenderam o modelo, afirmando que os resultados obtidos no município justificam sua expansão. Segundo eles, os índices educacionais melhoraram nas escolas que adotaram o sistema.
Por outro lado, Enedina Soares, presidenta da Fetamce, questionou qual seria o modelo ideal de escola, considerando os problemas estruturais enfrentados pelas instituições municipais. Ela defendeu a necessidade de investir em mais servidoras(es), climatização das salas de aula, ambientes acolhedores e ações contra a violência, em vez de militarizar a educação.
O estudante Pedro Lucas, vice-presidente da UBES, ponderou sobre os dados apresentados pela representante do CME de Maracanaú e perguntou se os índices positivos não seriam reflexo do medo das(os) estudantes diante de punições severas, em vez de melhorias reais no aprendizado.
Vilani Oliveira, professora aposentada de Maracanaú e Secretária de Combate ao Racismo da Confetam, outra voz contrária ao modelo, criticou duramente o militarismo no espaço escolar, lembrando os 21 anos do regime militar no Brasil. “Educação é um espaço de disputa. Nós não queremos jovens apenas disciplinados, mas jovens que quebrem paradigmas e construam novas realidades. Esse modelo é uma invasão de competências”, afirmou.
Dr. Juscelino, do Centro de Apoio Operacional da Educação (Caoeduc) do Ministério Público do Ceará, reforçou que a qualidade da educação não está vinculada a um modelo militarizado, mas a investimentos em material didático, transporte, alimentação escolar de qualidade, infraestrutura e formação docente. Segundo ele, o modelo cívico-militar carece de elementos fundamentais, materiais e formais para a real melhoria da educação, pois prioriza disciplina rígida em detrimento de condições estruturais.
Durante a audiência, o advogado Márcio Alan M. Moreira, integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, destacou o expressivo aumento no número de escolas cívico-militares no Brasil, que passou de 39 para 816 em apenas 10 anos. Ele também chamou atenção para as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) relacionadas ao modelo, enfatizando o desvio de função dos militares dentro do ambiente escolar, um ponto crítico que, segundo ele, compromete tanto a gestão educacional quanto os direitos dos estudantes.
A audiência explicitou que a educação pública segue como um espaço de debate e disputa, exigindo soluções que respeitem as singularidades dos estudantes e promovam, de fato, uma educação inclusiva e transformadora.