Cedendo a agendas do governo, texto para regulamentação do Fundeb traz retrocessos e abre caminho para privatizações na educação

A Minuta de Relatório para Regulamentação do novo Fundeb, apresentada na segunda (16/11), de autoria do deputado Felipe Rigoni (PSB/ES) ao PL 4372/2020, não avança em pontos cruciais e apresenta retrocessos que podem abrir caminho para outros processos de privatização da educação pública.

Ao encontro de agendas do governo, o texto de Rigoni deixa a possibilidade para que instituições privadas de educação técnica de nível médio tenham recursos do fundo direcionados a essa modalidade.

A coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, explica que a instituição tem estado preocupada com o caminho que tem tomado a tramitação da regulamentação do Fundeb.

“Há escanteio de agendas centrais que precisam estar em pauta como, entre outros, melhorias nos fatores de ponderação, travas e prazos para o repasse do recurso público ser direcionado exclusivamente para a educação pública, valorização e carreira das/os profissionais da educação e o vínculo explícito com o Custo Aluno-Qualidade e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica [Sinaeb] – dois elementos centrais para o bom funcionamento do Fundo”, analisa.

Segundo Andressa, há o risco de recuarmos nas conquistas que representaram a aprovação da EC nº 108/2020, do novo e permanente Fundeb. “Há não só uma tentativa de escantear avanços que precisam ser regulamentados nas leis do Fundeb e do Sistema Nacional de Educação, como também de inserir no Fundo agendas limitadas e de retrocessos que não estão em consonância com a EC aprovada. Esse é o caso do reducionismo a agendas de meritocracia e vínculos exclusivamente com avaliações em larga escala, agendas de privatização que alargam os repasses previstos hoje para conveniadas – que na verdade precisam ser limitados e não aprofundados – e também concentração da tomada de decisão em alguns atores, retrocedendo em termos de gestão democrática”, explica.

Ela aponta para uma agenda que não respeita o pactuado na aprovação da Emenda Constitucional. “Com os avanços previstos pela EC, como no maior financiamento, na avaliação ampliada, no vínculo com qualidade social e na necessidade de melhor controle participativo do recurso, essas propostas na regulamentação são contrassensos e não respeitam os compromissos assumidos com a comunidade educacional em um debate amplo e profundo que tivemos nestes cinco últimos anos”, conclui.

Em posicionamento público, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação aponta que a inclusão de instituições privadas de educação técnica de nível médio no novo Fundeb a minuta de relatório “caracteriza aprofundamento da privatização da educação”.

O texto ainda permite contemplar instituições conveniadas (não públicas) na pré-escola, que já é previsto hoje, mas não avança em trazer um prazo de transição.

Rigoni afirmou em coletivas e reuniões com parlamentares e sociedade civil na segunda-feira que pretende colocar o relatório para a voto ainda nesta semana.

O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) foi reformulado e se tornou permanente com a Emenda Constitucional 108 promulgada neste ano. O novo Fundeb é considerado pela Campanha – que liderou processo de incidência política na tramitação – uma vitória da escola pública por uma série de motivos: entre eles, trazer mais recursos da complementação da União para o fundo (23%) e tornar mais equitativa a distribuição de recursos para as redes públicas do país, com o objetivo de reduzir desigualdades.

CAQ escanteado

Outro ponto de atenção, segundo a Campanha, é a exclusão do CAQ (Custo Aluno-Qualidade). Ao substituir o CAQ por “custo médio”, a minuta de relatório do deputado desloca o conceito recém-constitucionalizado na EC 108/2020, do Novo Fundeb.

A Campanha considera a troca como “incongruente e inaceitável, tanto com o legado das disposições normativas sobre o Fundef e o Fundeb atual quanto com os avançados estudos e propostas de CAQ, amplamente publicizados”.

Concebido pela Campanha, o CAQ é um mecanismo que traduz em valores o quanto deve ser investido em educação básica por aluno ao ano para garantir condições adequadas de qualidade de ensino, conforme previsto na Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e no Plano Nacional de Educação (PNE).

Na prática, com o CAQ regulamentado, prefeitos e governadores deverão assegurar, dentre outros, que as escolas tenham: energia elétrica, água potável, número adequado de alunos por sala, alimentação, biblioteca, laboratório, quadras cobertas e salário adequado dos profissionais da educação.

O posicionamento reivindica que deve-se “estabelecer o CAQ como referência para o Fundeb especificando os insumos indispensáveis para a qualidade na educação”. Tais pontos devem ser regulamentados pela Lei do Sistema Nacional de Educação, mas o CAQ precisa ser a referência para o Fundo, como preconiza a recém-aprovada EC 108.

Outro ponto de retrocesso é que a minuta de relatório não avança em fatores de ponderação para o repasse do dinheiro do Fundeb – que é  distribuído com base no número de alunos e por etapa de ensino.

A Campanha afirma que deve ser feita uma correção “a fim de ajustar a distância entre o custo real e o repassado pelo Fundeb em algumas modalidades e etapas como a creche, a educação escolar indígena, quilombola e do campo e a Educação de Jovens e Adultos (EJA), entre outras.”

Meritocrático

Há ainda a incorporação de parâmetros de meritocracia à complementação da União ao fundo, segundo posicionamento da Campanha, tanto no que diz respeito à escolha de diretores escolares quanto em relação à participação no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), “seguindo tangente à regulamentação do Sinaeb e mantendo a perspectiva reducionista e já superada pela EC 108/2020 de foco em resultados de aprendizagem”.

O Sinaeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) é um mecanismo que aprimora o processo de avaliação do ensino, considerando formação, carreira, valorização dos profissionais da educação; infraestrutura das escolas; gestão, entre outros fatores.

A ausência de atenção ao Sinaeb no texto de minuta de relatório, segundo a Campanha, é substituída pelo “foco excessivo na complementação 2,5%”, percentual que atende no novo Fundeb a distribuição de recursos a escolas públicas que melhorarem a gestão educacional e seus indicadores de atendimento escolar e aprendizagem.

Concebido pela Campanha em parceria com o Centro de Estudos Educação e Sociedade, tendo sido disposto em Portaria do MEC em 2016, mas suspensa meses depois após ascensão do então novo governo interino de Michel Temer, o Sinaeb também foi constitucionalizado no novo Fundeb e espera regulamentação. Para a Campanha, evitar a regulamentação do Sinaeb é uma “clara afronta à EC 108/2020, que prescreve a apuração da evolução em indicadores de atendimento e aprendizagem com redução das desigualdades”.

Fonte: Campanha Nacional pelo Direito à Educação